Suspensão do contrato de trabalho é paralisação temporária das obrigações contratuais. São suspensos então alguns efeitos, dizendo respeito à eficácia. No caso da suspensão criada pela MP 936, convertida na lei 14.020, há a previsão de que “durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho, o empregado: I – fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados” e há previsão de pagamento de ajuda compensatória mensal, obrigatória para alguns empregadores e facultativa para os demais.
Agora é hora de pensar no 13º salário para o trabalhador que teve o contrato suspenso. Em 17/11 causou comoção a Nota Técnica SEI nº 51520, do ME, a partir da Secretaria do Trabalho, para analisar “os efeitos dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada e de salário, de que trata a Lei 14.020 de 2020, sobre o cálculo do 13º salário e das férias dos trabalhadores”. Pouco antes, o Ministério Público do Trabalho emitiu diretriz orientativa, também sobre o assunto, com outra conclusão. Ambas, diretriz e nota técnica, não têm caráter normativo, nem vinculante.
A lei 14.020/20 é omissa sobre o assunto. E, em caso de lacuna, o intérprete/julgador deve integrá-las, recorrendo aos métodos analogia, costumes, princípios gerais de direito (art. 4º Lei de Introdução) e, no nosso caso, princípios de direito do trabalho. Não há, também, na lei, permissão para normas de hierarquia inferior que supram. Há referência para que o Poder Executivo discipline a respeito da operacionalização do bem, o que fez pela Portaria 10.486.
A Nota Técnica aponta para a suspensão da contagem dos meses de suspensão no cálculo do 13º, partindo da ideia de que a suspensão do contrato prevista na Lei 14.020 é como qualquer outra suspensão, o que justifica que os meses de suspensão sejam tidos como inexistentes no período. O MPT, adotando o princípio da Proteção, pela regra do in dubio pro operario, traz interpretação que lhe traga menor prejuízo. Pela diretriz, o período de suspensão deve ser computado para fins de cálculo do 13º, partindo da premissa de que a suspensão criada tem caráter diferenciado e excepcional.
Um critério de interpretação das normas é o gramatical. A gratificação natalina, hoje 13º salário, criada pela lei 4.090/62, prevê o pagamento, no mês de dezembro, independentemente da remuneração a que fizer jus. Prevê o §1º que “A gratificação corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por mês de serviço, do ano correspondente. Ao utilizar a “mês de serviço”, pode-se entender que os meses em que o contrato esteve suspenso não serão computados para o cálculo do 13º do ano.
O critério de interpretação considerado mais adequado é o teleológico, que é a busca da finalidade social da norma jurídica, que não se confunde com a vontade do legislador no momento da sua elaboração. A lei 14.020/20 é um programa emergencial de manutenção de EMPREGO e RENDA. A suspensão dos contratos trouxe à empresa a economia de valores necessária para sua sobrevivência no período (finalidade da norma para a empresa).
Ao empregado, garantido o emprego (uma das finalidades da norma), foi criada uma renda, o benefício emergencial (segunda finalidade ao trabalhador), que não alcança, regra geral, o valor do salário percebido na empresa. Portanto, para o trabalhador, a finalidade da norma é alcançada apenas se ele tiver o menor prejuízo possível na sua renda. A falta de contagem dos meses de suspensão para cálculo do 13º traz maior prejuízo ao hipossuficiente, além do já sofrido (maior também) ao longo da suspensão do contrato.
Na busca da finalidade da norma, método eficaz é o lógico sistemático: busca-se, dentro do ordenamento como um todo, o que compatibiliza o texto da norma específica com as demais regras sobre a matéria. No caso do 13º, o art. 2º da lei 4.090/62, estabelece que “As faltas legais e justificadas ao serviço não serão deduzidas”, de modo que, pela regra da condição mais benéfica, e sem previsão de supressão parcial de pagamento, mantém-se na integralidade. Além disso, pode-se pensar se o pagamento de ajuda compensatória por parte do empregador relativiza a suspensão do contrato, pela manutenção de pagamento parcial, o que já resolveria a questão.
Possível mencionar ainda a vedação ao retrocesso e à surpresa, nos casos em que não houve qualquer previsão nos acordos sobre a matéria, tendo o trabalhador expectativa legítima do recebimento do décimo terceiro salário na forma integral. Por fim, há o clima organizacional, que algumas empresas consideram importante. A comunicação aos empregados de que terão uma redução do 13º pode provocar descontentamento, com reflexos na produtividade. As empresas que realmente não tiverem condições do pagamento agora, podem pensar num parcelamento elastecido, por negociação coletiva para o valor integral, ou ser transparentes na comunicação aos empregados.
A nota e a diretriz coincidem na conclusão sobre décimo terceiro na redução de jornada de trabalho e salário: pagamento integral do valor, considerando como tal o anterior à redução. Cria-se possível situação de desigualdade entre os trabalhadores: os que tiveram redução de jornada e salário, que já perderam menos, nada perdem quanto a décimo terceiro, e os que tiveram suspensão, com grandes perdas, se veem com uma perda ainda maior, na supressão parcial do 13º.
A análise a ser feita não é só jurídica, mas econômica e social, inclusive por cada empresa, de acordo com suas perspectivas de futuro, turnover, absenteísmo, suas relações com seus empregados e com os sindicatos e verificar o risco e a compensação.
*Andrea Pasold, juíza do Trabalho no TRT da 12,ª Região; mestre em ciência jurídica pela Univali, professora