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Defensorias denunciam Renova e empresas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos



As Defensorias Públicas do Estado do Espírito Santo, de Minas Gerais e da União, integrantes do Grupo Interdefensorial do Rio Doce (GIRD), denunciaram, nesta quarta-feira (8), a Fundação Renova e suas empresas mantenedoras (Vale S/A, BHP Billiton e Samarco Mineração S/A) ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) pedindo instauração de procedimento investigativo. 

O motivo foi a suspensão, decidida unilateralmente pela Renova no dia primeiro de julho último, do pagamento do auxílio financeiro emergencial (AFE) para os atingidos pelo crime cometido pelas empresas em cinco de novembro de 2015, cujos danos deveriam estar sendo plenamente reparados pela Fundação, criada com esse objetivo. 

A decisão provocou manifestações de protesto por parte dos atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais e é considerada, pelas Defensorias Públicas, “uma violação ao Direito Humano à Alimentação Adequada, que visa garantir o acesso a alimentos com quantidade e qualidade suficientes, presente no art. 6º da Constituição Federal de 1988 e no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos – um aumento indevido da exposição da saúde das populações atingidas aos riscos advindos da pandemia de Covid-19, nos termos da Resolução nº 01/20 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”. 

O rompimento da barragem de Fundão, ocorrido há mais de quatro anos em Mariana/MG, é considerado o maior crime ambiental do país e o maior da história da mineração mundial, tendo ceifado a vida de 19 pessoas e destruído mais de 600 km de leito do Rio Doce com o vazamento de mai de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, impactando gravemente a vida de centenas de comunidades capixabas e mineiras, além de ter contaminado todo o litoral do Espírito Santo com metais pesados e outros poluentes, inviabilizando a pesca no mar, no rio e nos manguezais atingidos.


Segundo a nota pública assinada conjuntamente pelas Defensorias, a Renova não agiu com clareza e transparência, quando decidiu, unilateralmente, interromper o benefício das pessoas que, segundo ela, podem retomar suas atividades econômicas ou produtivas. Cerca de 7 mil pessoas foram impactadas pelo cancelamento do benefício.

As entidades também oficiaram a Fundação e planejam acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com pedido de audiência pública, uma vez que o cancelamento dos auxílios aconteceu exatamente em meio à pandemia do coronavírus.


Na Nota pública, as três Defensorias afirmam estarem “em estado de alerta para possível situação de violação em massa de direitos humanos no território atingido pelo rompimento da barragem de Fundão”.


“A informação veiculada pela Fundação Renova, cujo conselho curador é composto majoritariamente por membros indicados pela Vale S/A, pela BHP Billiton e pela Samarco Mineração S/A, surpreendeu as Defensorias Públicas e as outras Instituições de Justiça que atuam no processo”, acentuam, salientando que a Renova está obrigada a seguir o TAC-Gov, acordo que “criou mecanismos de participação dos atingidos em todas as decisões afetas aos programas de reparação (…) sobretudo – como é o caso – aquelas que têm o potencial de impactar negativamente a vida de milhares de famílias”. 


“Não obstante a existência dessas obrigações, a Câmara Técnica de Organização Social e Auxílio Emergencial (CTOS), que é coordenada pela Defensoria Pública da União e que fiscaliza o programa de auxílio financeiro emergencial, não recebeu da Fundação Renova qualquer indicativo de que haveria cortes de auxílio”, repudiam.


Mais suscetíveis à Covid-19


A falta de transparência e a transgressão à governança estabelecida são agravadas, ressaltam as Defensorias, pelo fato de que “a cessação está sendo efetuada durante a pior pandemia dos últimos 100 anos – e com o argumento de que foram restabelecidas as condições para retomada de atividade econômica ou produtiva”.


As entidades lembram ainda que, em função da pandemia de Covid-19, a CTOS já havia oficiado a Renova no dia 27 de abril, recomendando “que o auxílio financeiro emergencial fosse disponibilizado, em caráter de urgência e no prazo máximo de 30 dias, para todos os cadastrados que declararam perda de renda ou que tiveram suas atividades interrompidas em decorrência do rompimento da Barragem de Fundão, mesmo nos casos em que a política indenizatória estivesse em estudo pelo programa de indenização da Fundação”. 


A recomendação, expõem as entidades do GIRD, fundamentou-se em estudo da Ramboll – contratada pelo Ministério Público Federal no âmbito da governança da reparação dos danos do crime ambiental – de que “o desastre gerou severo empobrecimento das famílias moradoras do território atingido”, e também em estudo onde a Fundação Getúlio Vargas (FGV) constatou “que as doenças respiratórias agudas aumentaram em mais de 10 vezes nos municípios atingidos”, situação que “torna a população atingida mais suscetível às formas graves da Covid-19”. 


O ofício menciona também a existência de mais de 17 mil famílias potencialmente elegíveis ainda aguardavam, passados mais de quatro anos do desastre, a análise de seu requerimento de AFE.


A nota pública do GIRD relata ainda a resposta data pela Renova ao ofício, onde ela alega que “a pauta de Auxílio Financeiro Emergencial está ‘sub judice perante o Juízo da 12° Vara Federal’, não podendo ela, assim, avançar no pagamento dos auxílios, notadamente para determinadas categorias que, segundo entendimento da Fundação, demandavam a construção de ‘políticas indenizatórias'”.


Para as Defensorias Públicas, no entanto, “se é verdade que a Renova se via de mãos atadas para conceder benefícios antes que o tema fosse decidido judicialmente, via-se também – e é o que se soube agora – totalmente livre de amarras para cortar benefícios da mesma espécie (para isso, não foi necessário aguardar definições, critérios de elegibilidade, decisões sobre a questão da “definitividade” do AFE, ou quejandos – pretextos que a Fundação tem apresentado para não tratar do tema perante o sistema de governança criado por acordo homologado judicialmente)”, criticam.


Fonte: Século Diário